Suplementação de magnésio na Síndrome de Abstinência Alcoólica. Sim ou não?

Na prática de muitos profissionais médicos, o uso de magnésio como tratamento adjuvante na Síndrome de Abstinência Alcóolica tem sido muito difundido ao longo dos anos. Embora exista lógica plausível para essa tese, as evidências não mostram real benefício.

Ackilles Júnio Oliveira

4/2/20254 min read

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A síndrome de abstinência alcoólica (SAA) ocorre quando uma pessoa com dependência de álcool interrompe ou reduz drasticamente o consumo, resultando em sintomas como tremores, ansiedade, insônia, náuseas, sudorese, convulsões e, em casos graves, delirium tremens.

O magnésio, um mineral essencial para a função neuromuscular e a regulação do sistema nervoso central (SNC), tem sido investigado como uma possível intervenção para a SAA, especialmente porque a hipomagnesemia (níveis baixos de magnésio) é comum em pessoas com alcoolismo crônico devido à má absorção, dieta inadequada e aumento da excreção urinária. Obviamente, deficiências de sais como magnésio, potássio, sódio, cálcio, devem ser devidamente contornadas em situações hospitalares, seja quaisquer condições o paciente apresente. No entanto, observa-se a utilização de muitos profissionais em sua prática, muito além da reposição, mas da suplementação de magnésio em indivíduos etilistas crônicos em situação tanto de uso abusivo quanto em condições de acometimento da Síndrome de Abstinência Alcóolica.

Abaixo, apresentamos uma análise detalhada das evidências sobre o uso de magnésio no tratamento da SAA.

Revisão Sistemática da Cochrane (2013)

Uma revisão sistemática publicada pela Cochrane em 2013 analisou o uso de magnésio na prevenção e no tratamento da SAA. A revisão incluiu quatro ensaios clínicos randomizados (ECRs) com um total de 317 participantes. Esses estudos testaram a administração de magnésio por via oral (doses de 12,5 a 20 mmol/dia) e parenteral (16,24 mEq a cada 6 horas por 24 horas) em comparação com placebo ou nenhum tratamento. Os principais achados foram:

Falta de Evidências Conclusivas: Não houve evidências suficientes para determinar se o magnésio é benéfico ou prejudicial no manejo da SAA. Os estudos não mostraram diferenças significativas em desfechos clínicos importantes, como a redução de sintomas de abstinência, prevenção de convulsões ou delirium tremens.

Força de Preensão: Um desfecho mensurado em três ensaios (113 participantes) foi a força de preensão manual, mas não houve diferença clinicamente relevante entre os grupos que receberam magnésio e os que não receberam (diferença média de 0,04, intervalo de confiança de 95% de -0,22 a 0,30).

Eventos Adversos: Não foram relatados eventos adversos significativos associados ao uso de magnésio, mas os estudos apresentavam alto risco de viés e heterogeneidade metodológica, o que compromete a qualidade das conclusões.

Conclusão da Revisão: Os autores destacaram que a evidência disponível é insuficiente para recomendar o uso rotineiro de magnésio na SAA, e mais pesquisas são necessárias.

Estudos Observacionais e Prática Clínica

A hipomagnesemia é frequentemente observada em pacientes com etilismo crônico, com prevalências relatadas entre 30% e 60%, dependendo do estudo. Um artigo do MedicinaNET (2012) menciona que a reposição de magnésio é uma prática comum em pacientes internados com SAA, especialmente quando há hipomagnesemia confirmada. Protocolos típicos incluem a administração de 1 a 2 gramas de sulfato de magnésio diluídas em 100 ml de salina fisiológica, administradas por via intravenosa. No entanto, o mesmo artigo aponta que a reposição de magnésio é controversa, pois não há evidências sólidas de que ela melhore diretamente os sintomas da SAA, como tremores, convulsões ou delirium tremens.

Mecanismos Propostos

O magnésio atua como um antagonista natural dos receptores NMDA (N-metil-D-aspartato), que estão hiperativos durante a SAA devido à retirada do álcool, um depressor do SNC. A hiperexcitabilidade do SNC é um dos principais mecanismos por trás dos sintomas de abstinência, e teoricamente o magnésio poderia ajudar a reduzir essa hiperexcitabilidade. Além disso, o magnésio é essencial para a função muscular e nervosa, e sua deficiência pode exacerbar tremores e arritmias cardíacas, que são comuns na SAA. Apesar desses mecanismos plausíveis, os estudos clínicos não conseguiram demonstrar benefícios consistentes.

Outras Considerações :

Tratamento Padrão: O manejo da SAA é bem estabelecido e se baseia principalmente no uso de benzodiazepínicos (como diazepam ou lorazepam) para controlar a agitação, prevenir convulsões e reduzir o risco de delirium tremens. A reposição de tiamina (vitamina B1) também é essencial para prevenir a encefalopatia de Wernicke, uma complicação grave do alcoolismo.

Magnésio como Suporte Geral: Em muitos protocolos hospitalares, o magnésio é administrado como parte de uma abordagem mais ampla de reposição eletrolítica (junto com potássio e fosfato, por exemplo), especialmente em pacientes com desequilíbrios eletrolíticos graves. No entanto, isso é mais uma medida de suporte geral do que uma intervenção específica para os sintomas de abstinência.

Limitações das Evidências:

Estudos Pequenos e Heterogêneos: Os ensaios clínicos disponíveis são pequenos, com amostras limitadas, e apresentam diferenças significativas em design, doses de magnésio e desfechos avaliados.

Falta de Foco em Desfechos Clínicos Relevantes: Muitos estudos não avaliaram diretamente os sintomas mais graves da SAA, como convulsões ou delirium tremens, focando em medidas secundárias, como força de preensão.

Sarai, M., Tejani, A. M., Chan, A. H., Kuo, I. F., & Li, J. (2013). Magnesium for alcohol withdrawal. Cochrane Database of Systematic Reviews, (6), CD008641. DOI: 10.1002/14651858.CD008641.pub2

MedicinaNET. (2012). Síndrome de abstinência alcoólica – Tratamento. Disponível em: https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/1395/sindrome_de_abstinencia_alcoolica_tratamento.htm (acesso em 01/04/2025).